sexta-feira, dezembro 15, 2006


Os Ombros que Suportam o Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.Tempo de absoluta depuração.Tempo em que não se diz mais: meu amor.Porque o amor resultou inútil.E os olhos não choram.E as mãos tecem apenas o rude trabalho.E o coração está seco.Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.Ficaste sozinho, a luz apagou-se,mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.És todo certeza, já não sabes sofrer.E nada esperas de teus amigos.Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança.As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda.Alguns, achando bárbaro o espetáculo preferiram (os delicados) morrer.Chegou um tempo em que não adianta morrer.Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.A vida apenas, sem mistificação.

Carlos Drummond de Andrade

texto enviado por Luciano Paullo ( teatreiro )

Um comentário:

Anônimo disse...

Sou apaixonado por esse texto... a primeira peça de teatro que eu vi foi Sinfonia Poética nº1 em Drummond Maior... pena q Gilberto não fez número 02 e 03. Marcante! E partir desse dia o texto do C.D.A. entrou na minha vida. Lindissimo!